Vivian - Capítulo 08
— Senhorita, senhorita Vivian.
A mão que sacudia seu ombro não era gentil. Era diferente do movimento lento, porém firme, de Roger.
Os olhos de Vivian se arregalaram ao perceber a diferença no toque.
— Senhorita?
Ela viu Hamel olhando para ela. Vivian então percebeu que Hamel a havia acordado. Talvez o chamado que ouvira no sonho fosse a voz de Hamel.
— Já amanheceu?
Seu corpo latejava, e parecia que ela não havia dormido direito. Hamel, que acenava com a cabeça quando Vivian esfregou os olhos e perguntou, parou abruptamente.
— Hã, senhorita.
Hamel abriu a boca com uma expressão extremamente surpresa. Era raro vê-la assim, já que não costumava se perturbar com nada.
— Senhoritaaaaa!!
Antes que Vivian pudesse recuperar os sentidos, a voz de Hamel se elevou.
— Hã?
Isso surpreendeu Vivian, que então parou de esfregar os olhos. De repente, ela sentiu uma ardência na ponte do nariz.
— Seu nariz está sangrando.
— O quê?
Hamel saiu correndo do quarto de Vivian. Assim que Vivian baixou a cabeça, gotas de sangue caíram sobre o cobertor branco, deixando uma mancha.
Hamel, que voltou ao quarto em instantes, tampou as narinas de Vivian com um fino lenço para impedir que mais sangue escorresse.
Foi uma manhã de agitação, diferente de qualquer outra.
Na mesa do café da manhã.
— Vivian, não seria melhor adiar a visita a Sua Majestade para amanhã? Hamel disse que você teve um sangramento nasal esta manhã.
O Conde Lector perguntou com um olhar preocupado, já que Hamel lhe contara o ocorrido. Vivian, cujo sangramento já havia cessado há um tempo, esfregou a ponte do nariz sem motivo aparente.
— Foi apenas um sangramento nasal. Acho que foi porque não descansei o suficiente.
— Mesmo assim…
— Está tudo bem. Talvez eu finalmente descubra por que Sua Majestade me concedeu aquela medalha. Não era isso que o senhor queria saber, pai?
Vivian falou animadamente para aliviar a preocupação dos pais. A Condessa pensou em insistir, mas desistiu. Agora que a filha era adulta, ela acreditava que Vivian deveria tomar suas próprias decisões.
— Não arrumei uma escolta para você, mas precisa de uma?
Geralmente, um cavaleiro da família acompanhava a dama em saídas. Vivian negou com um aceno de mão. Ela já tinha uma escolta: seu próprio poder.
— Então, voltarei logo.
Depois de uma refeição reforçada, Vivian deixou a mansão e entrou na carruagem.
— Sua Majestade, a senhorita Vivian Lecktor chegou.
Vivian tirou o chapéu e arrumou rapidamente os cabelos desalinhados com as mãos. Não havia passado muito tempo desde que o servo anunciara sua chegada, mas ele já indicava que ela podia entrar. Vivian adentrou com um sorriso discreto.
O local para onde o servo a levou era o jardim de inverno do palácio imperial. Assim que entrou, o aroma da natureza invadiu suas narinas. Mesmo dentro do palácio, a vegetação era exuberante. Ela sentiu uma estranheza com a disparidade espacial—especialmente porque Vivian usava a natureza como sua habilidade.
— Senhorita Lecktor, aqui está você.
O Imperador estava sentado a uma mesa no centro do jardim, ocupado com alguns pergaminhos sobre a mesa branca.
Vivian se aproximou e cumprimentou.
— Saúdo o Imperador.
— Não precisa ser tão formal. Sente-se.
Quando o Imperador acenou para o servo, os pergaminhos foram rapidamente retirados, e uma cadeira foi trazida. Vivian sentou-se com certa hesitação no lugar que o Imperador preparara.
— Então, aproveitou seus estudos no exterior?
— Graças ao seu generoso apoio, pude aprender com prazer.
— Haha, parece que o Conde Lecktor mandou você dizer isso.
Vivian não demonstrou, mas sentiu-se culpada por dentro. Era exatamente o que seu pai lhe aconselhara no café da manhã. Mas, mesmo antes disso, ela já pensara em agradecer o Imperador. Afinal, foi graças a ele que pôde viver em paz em Hiddenca.
— Certo, vamos pular as formalidades e ir direto ao ponto.
Era sabido que o Imperador odiava desperdício de tempo, e Vivian percebeu isso claramente na conversa. Assim que as saudações terminaram, era hora do assunto principal. Não era uma conversa elegante e cheia de rodeios.
Vivian engoliu seco, tensa.
Era óbvio que a ajuda inexplicável do Imperador e a concessão da medalha estariam relacionadas ao que ele diria agora.
De repente, o Imperador ergueu os olhos. Seu olhar, até então calmo, mostrou um breve aceno de boas-vindas.
— Está chegando agora?
O Imperador perguntou a alguém, mas não a Vivian. Seus olhos estavam fixos em algo atrás dela.
Vivian virou a cabeça instintivamente.
Folhas verdes e lírios-vermelhos coloridos estavam harmoniosamente dispostos por todo o jardim. Mas o que estava sob eles era mais deslumbrante que qualquer flor.
Vivian reconheceu um rosto familiar e prendeu a respiração.
Roger, um homem vestido com seu uniforme, também parou ao ver Vivian sentada diante do Imperador. Mas sua hesitação foi tão breve que mal se notou.
Roger se aproximou e beijou a mão do Imperador. Seu rosto impassível, que não se curvava a ninguém, permaneceu inalterado mesmo ao se inclinar.
— Ouvi que me chamou, Sua Majestade.
— Chegou na hora. Lady Lecktor também acabou de chegar.
Os olhos de Roger pousaram em Vivian ao ouvir as palavras do Imperador. Ela evitou o contato visual, sentindo-se desconfortável. Talvez devido à presença do Imperador, o olhar de Roger logo se desviou.
Outra cadeira foi preparada—para Roger.
Vivian não conseguia entender por que Roger estava envolvido na conversa entre ela e o Imperador. As palavras de Roger, dizendo que o Imperador o chamara, pareciam indicar que ele não estava ali por vontade própria. E o Imperador agia como se estivesse cedendo o lugar a ele.
Parecia que Vivian era a única que não sabia da presença de Roger.
— Sua Majestade, o assunto principal é…?
Vivian, já desconfortável, falou sem cerimônia. Ela não via a hora de terminar a conversa e ir embora. Essa impaciência fez o Imperador começar mais cedo.
O Imperador, que tomou um gole de chá, sorriu com os lábios curvados.
— É sobre vocês dois.
Seus olhos alternaram entre Roger e Vivian. Ela sentiu uma inquietação desconhecida ao ser associada a ele, com quem não tinha nenhum contato.
— Quero que vocês dois fiquem noivos por um tempo.
Não demorou para que a ansiedade atingisse seu ápice como uma flecha certeira.
A xícara de chá caiu, e o líquido escarlate se derramou sob a mesa. O vestido de Vivian ficou encharcado, mas ela nem percebeu, tão surpresa estava.
— Senhorita, está bem?
O Imperador, alarmado, chamou um servo. Quando ele entregou um lenço, Vivian notou finalmente o chá derramado.
Mesmo enquanto enxugava a saia, Vivian permanecia atordoada.
‘O Imperador quer que eu fique noiva de um homem que tenho medo de encontrar na realidade?’
Por um instante, seu coração latejou com uma pontada de emoção.
— Eu… me perdoe. Fiquei muito surpresa.
— Vossa Majestade, isso foi muito abrupto.
Roger falou ao Imperador enquanto observava Vivian limpar o vestido. Ela parou a mão involuntariamente ao ouvir a voz grave que a atormentava todas as noites. Felizmente, o gesto ficou escondido pela mesa.
Vivian olhou para Roger. Ele também ouvira a declaração repentina do Imperador, mas estava estranhamente calmo. Como se já soubesse da ordem.
— Minha decisão foi um tanto apressada, parece.
O Imperador encheu novamente a xícara de Vivian com um ar de desculpas. Ela não conseguia imaginar-se bebendo aquilo—sabia que não desceria pela garganta. Em vez disso, fixou os olhos no Imperador, exigindo uma explicação para o noivado.
— Senhorita Lecktor, ouvi dizer que você é a melhor na arte elemental da terra.
— Sim… eu sou
Ela queria esclarecer a situação, mas o Imperador mudou abruptamente para o assunto de suas habilidades.
Vivian respondeu por obrigação. O Imperador sorriu, satisfeito.
— Há algo que sempre quis fazer antes de subir ao trono.
Seu sorriso desapareceu, substituído por uma expressão séria.
— Recuperar a Terra do Oeste.
Vivian recordou o que sabia sobre a Terra do Oeste.
O vasto território de Mosbana se estendia por todas as direções, com a capital no centro. Leste, Sul e Norte prosperavam com comércio e expansão.
Mas o Oeste era diferente. Tudo devido às bestas mágicas que apareceram décadas atrás.
Um dia, uma fenda no espaço-tempo se abriu no Oeste, e bestas começaram a surgir sem parar.
O território delas, inicialmente pequeno, começou em uma propriedade próxima ao mar e foi crescendo. Matavam humanos e tomavam terras. Para pessoas comuns, era mais fácil alcançar as estrelas do que deter a invasão.
O antigo Imperador agiu rápido, erguendo muralhas ao redor das áreas ainda seguras. O custo foi um quinto do tesouro real. A resposta rápida impediu que as bestas chegassem à capital, mas o problema permanecia: a Terra do Oeste.
Entre todas as terras de Mosbana, o Oeste era o mais fértil—um lugar de alto valor. Com mais da metade tomada pelas bestas, as perdas eram enormes.
Os Imperadores daquela época tentaram controlar sua magia de alguma forma e procuraram reclamar as terras do Oeste. Mas era uma tarefa difícil. A expedição enviada para combater o espírito maligno foi morta sem chances, e os nobres evitavam ir para o Oeste.
Naquele tempo, era o Marquês de Ozent quem governava o território onde o muro foi construído. Seus domínios eram vastos, e o povo daquela terra sempre foi ativo.
Porém, quando as bestas apareceram, o Marquês de Ozent retornou à capital, dizendo que não mais reconhecia suas terras. Ele tinha meios de viver na capital, então era uma escolha possível, mas foi um golpe duro para o povo que vivia no Oeste, para quem aquela terra era sua única pátria.
No fim, o povo ainda vive no Marquesado de Ozent. Atormentado pelo medo de que, a qualquer dia, aquelas bestas ultrapassem o muro.
Continua….
Tradução Elisa Erzet