Uma proposta vulgar - Capítulo 01
— Não posso levar uma mulher aleijada comigo.
Essas foram as últimas palavras que ele deixou antes de partir. Não, já que foi abandonada no dia do casamento, talvez ele nem pudesse mais ser chamado de marido.
— …
Inês, com um sorriso amargo, encarou o vazio do quarto. Até pouco tempo atrás, o local estava cheio de empregadas, mas agora só restava um silêncio pesado.
Hoje deveria ser o dia do casamento de Inês Claudia, filha legítima da família Claudia, com Joseph, o Rei de Tezever.
Mas o dia que deveria ser cheio de celebrações, o filho ilegítimo do falecido rei iniciou uma rebelião.
A lâmina do meio-irmão estava voltada para o mais velho, o Rei Joseph, fugiu sem sequer organizar uma resistência.
Ele deixou para trás a noiva, Inês, abandonada no castelo, sem um único guarda ao seu lado.
Entre o som de espadas se chocando e gritos desesperados, Inês caminhou até o toucador. Seu pé esquerdo arrastava-se no chão a cada passo manco.
Ela já havia desistido de se esconder ou fugir. Como Joseph dissera, com essa perna, até sair do castelo seria uma tarefa impossível.
Então, tudo o que restava era esperar silenciosamente pela morte.
Eventualmente, o rosto de Inês refletiu-se no espelho do toucador.
Seus cabelos dourados lembravam a luz do sol na areia da praia, e seus olhos tinham um tom puro e sereno que contrastava com eles. Embora a luz deles já tivesse apagado, sua beleza, outrora chamada de “a flor de Tezever”, não murchara. Apenas a vitalidade desaparecera.
Enquanto observava seu próprio rosto, sem qualquer sorriso, Inês começou lentamente a retocar sua maquiagem. Lá fora, gritos de misericórdia e o som de lâminas cortando carne ecoavam, mas suas mãos não tremiam enquanto se adornava.
Não havia muito tempo.
Logo, a porta fechada se abriria com força, e os cavaleiros invadiriam. Eles provavelmente a decapitariam, como já esperavam fazer.
Ou talvez, por ela ser escolhida para ser rainha, construiriam um palco adequado para sua execução. Será que as pessoas cuspiriam e zombariam enquanto assistiam à sua desgraça?
— Haha.
Uma risada amarga escapou de Inês ao imaginar o futuro previsível. Ela já estava cansada do escárnio das pessoas, mas enfrentar a morte sob vaias era outra coisa. Sentindo um momento de amargura sobre sua vida, ela balançou a cabeça.
Livre da corrente de pensamentos, Inês retomou o movimento das mãos. Não havia hesitação em seus gestos enquanto retocava a maquiagem e arrumava os cabelos.
Era como se ela já soubesse que um dia como esse chegaria.
Após terminar, ela olhou para o reflexo no espelho. O vestido, meticulosamente bordado por um artesão para o casamento, agora era apenas um pedaço de tecido branco sem significado. O absurdo da situação fez os cantos de sua boca se erguerem.
BAANG!
A porta fechada se abriu com um estrondo.
Ar frio, junto com o cheiro de sangue, invadiu o quarto.
Sentindo que a hora chegara, ela fechou os olhos calmamente. Finalmente, a morte viera buscá-la.
— Aí está você.
Uma voz profunda, como ecoando das profundezas de uma caverna, ressoou pelo quarto. Era uma voz familiar, que um dia lhe sussurrara palavras gentis.
Tum tum
A morte se aproximava com passos firmes.
Inês inclinou a cabeça.
O som da armadura se chocando e passos pesados ficaram mais próximos.
Um passo. Depois outro.
A morte, agora próxima, sussurrou para ela.
Que seu fim estava próximo.
Inês abriu lentamente os olhos. Então, ergueu o rosto para ver o homem refletido no espelho.
O homem, sempre de rosto belo, parecia muito diferente do que ela lembrava. Para Inês, que só se recordava dele como o garoto de oito anos atrás, sua aparência atual ainda era estranha.
Ele, inclinado como se não se importasse com seus sentimentos, passou a mão pelos cabelos.
— Então era aqui que você estava. Pensei que tivesse fugido.
Seus cabelos negros, como uma noite sem estrelas, caíam entre seus dedos. Seus olhos vermelhos, como se embebidos no cheiro metálico do sangue que pairava no ar, brilhavam como se quisessem devorá-la.
Charles Ivan.
O filho de um rei, mas desprezado por todos por causa de sua mãe humilde.
— Ah, com essa perna, você nem conseguiria correr.
Agora, ele estava diante dela como um conquistador, ali para matá-la.
Inês desviou o olhar de Charles, a quem encarara com indiferença. Ela já se preparara mentalmente há muito tempo. Logo, seus olhos azuis encontraram os vermelhos de Charles.
— Está tudo acabado, — ele disse, com um tom de diversão em sua expressão.
— Seu marido fugiu e te abandonou, e a outrora grandiosa família Claudia caiu.
Sua voz grave ecoou pelo quarto, carregando um leve tom de autodepreciação. Então, quando percebeu que ele segurava algo além de uma espada, o objeto caiu com um baque a seus pés.
— Aqui está a prova.
Algo rolou como uma bola e parou diante dela. Quando Inês olhou para baixo, seu rosto endureceu.
— Não deveria se despedir de seu pai?
Era seu pai. Ou melhor, havia sido seu pai… agora apenas uma cabeça reduzida a um pedaço de carne. Inês observou em silêncio o rosto do pai, cujos olhos não puderam ser fechados.
Nenhuma tristeza, rancor ou qualquer emoção surgiu nela diante da morte do homem. Em vez disso…
‘Ele também morreu’.
Para ela, seu pai fora mais temível que um rei e mais elevado que um deus. Mas ali estava ela, olhando para a cabeça decepada do homem que um dia desprezara todos, morto pelas mãos do “cão” que ele mesmo menosprezara. Tudo parecia fútil.
Charles franziu as sobrancelhas ao observar a impassibilidade de Inês.
— Você não parece triste, mesmo que seu pai, que tanto a amava, tenha morrido. 🙄🙄
Seu olhar fixou-se na mulher que não reagia. Sua compostura, mesmo diante da morte do pai, era perturbadora.
Ele esperava que ela gritasse ou o amaldiçoasse em desespero. No entanto, fiel à sua natureza nobre, ela permanecia bela mesmo diante da morte, como um lótus desabrochando graciosamente na lama.
Os olhos de Charles desceram para o vestido de Inês. Ele franziu o rosto por um momento, lembrando que aquele deveria ser seu dia de casamento.
Depois de um breve silêncio, ele se aproximou dela.
Apesar do caos, ela ainda estava deslumbrante, e ele estendeu a espada em sua direção. A ponta ensanguentada tocou seu queixo.
— E aqui está você, toda arrumada enquanto todos morreram…
A lâmina deslizou lentamente pelo pescoço de Inês, aproximando-se do seu peito.
— Está se oferecendo a mim, implorando por sua vida?
Charles a provocou com palavras insultuosas, seus olhos estreitando-se como um desafio.
— Vá em frente, tente. Quem sabe? Posso relevar… em nome dos velhos tempos.
Com isso, ele cortou o laço do vestido de Inês. A frente do traje, sem apoio, abriu-se sob seu próprio peso.
— Afinal, tivemos bons momentos no passado.
Uma risada curta escapou de seus lábios. O contraste brutal entre sua situação parecia até engraçado para ele.
Inês ouviu em silêncio, sem se importar em consertar o vestido, e suspirou, resignada.
— Apenas termine logo, —sua voz era indiferente enquanto pedia pela morte. — Em consideração ao que já compartilhamos…
Ela esperava que ele a matasse sem dor.
Não estava implorando por vida. Apenas pensou que ele poderia dar-lhe a misericórdia de um fim rápido. Mas isso foi um grande erro.
— Desculpe, mas não pretendo acabar com isso tão cedo.
Charles não tinha intenção de atender seu pedido. Diante da recusa firme, Inês ergueu a cabeça. Charles se inclinou, ficando à altura dela.
— Você será minha esposa.
Ele acariciou o rosto de Inês com a mão. Ela sentiu o toque frio do homem.
— Tudo o que meu irmão tinha agora é meu.
O sangue de alguém, na mão de Charles, sujou a bochecha de Inês.
— Naturalmente, a esposa dele também deve ser minha.
Foi uma proposta vulgar.
Continua…
Tradução: Elisa Erzet