O Marido Malvado - Capítulo 14
— Hã?
A boca de Eileen se abriu diante da franqueza dele, e suas bochechas coraram ao ouvir o título.
— Nós nem tornamos isso oficial ainda!
Cesare riu, aparentemente divertido com a incredulidade dela. Em vez de responder, simplesmente pegou a mão de Eileen e a conduziu pela sala de estar.
Ao chegarem ao hall de entrada, Sonio, que esperava do lado de fora, abriu prontamente a porta. Sua expressão permaneceu calma, apesar da aparição repentina de Cesare
— Iremos de carruagem, —declarou Cesare.
— Sim, Vossa Graça, — respondeu Sonio, com um aceno cortês, antes de desaparecer.
O casal seguiu para o vestiário, e Eileen ficou surpresa com o que viu.
Diversos vestidos pendiam pelo cômodo, acompanhados por sapatos, chapéus e joias para combinar. Essa parte da casa não parecia pertencer a um homem solteiro. Enquanto Eileen examinava cada detalhe, Cesare foi até o outro lado e pegou um conjunto já preparado.
— Vista isto.
Era uma combinação simples, mas elegante: saia, blusa, luvas e chapéu. Ele os arrumou cuidadosamente no sofá, como se evitasse amarrotá-los, e então escolheu um enfeite de cabelo. Depois, fez sinal para que Eileen se aproximasse.
Quando ela obedeceu, Cesare tirou seus óculos e prendeu sua franja para o lado.
Eileen tocou o próprio rosto exposto, desconfortável com a sensação estranha.
— Devo mesmo sair assim?
— Você chamaria mais atenção com os óculos.
Com isso, Cesare a convenceu e saiu para se trocar. Sozinha no vestiário, Eileen hesitou antes de tirar a roupa antiga, dobrou-as com cuidado e as deixou em um canto. Depois, vestiu as novas escolhidas por Cesare. Curiosamente, cada peça servia perfeitamente. Absorta pela textura suave do tecido, ela se observou no espelho, distraída.
Não conseguia. Eileen fechou os olhos com força ao ver seu reflexo. Não tinha coragem de olhar para seu rosto exposto, enquanto memórias desagradáveis começavam a surgir.
“Você é nojenta!”
Quando estava com raiva, a mãe de Eileen zombava de sua aparência. Gritava que a filha era horrível de se olhar, chegando a ameaçar seus olhos com uma tesoura. Quando se acalmava, evitava olhar para Eileen. Se era por desconforto com a imagem da filha ou por vergonha do que fazia, Eileen jamais saberia.
Algum tempo depois, sua mãe lhe deu um par de óculos. Eileen enxergava bem, então as lentes eram de vidro comum. Mesmo assim, ela não reclamou e os colocou, sem ousar mudar sua aparência desde então. Chegou até a deixar a franja crescer para cobrir mais o rosto. E, ao lavar o rosto, evitava se encarar no espelho, com medo de reviver aquelas lembranças
Após anos vivendo assim, Eileen sentia-se ansiosa sempre que seu rosto estava exposto. Então, colocou o chapéu sem se olhar no espelho, calçou os sapatos e as luvas, completando o visual.
Saiu às pressas do vestiário e encontrou Cesare dando instruções a um servo. Ambos pararam e a olharam quando a porta se abriu.
— …!
Os olhos do servo arregalaram, quase saltando das órbitas. Eileen desviou o olhar, desconfortável.
‘Por que não posso ao menos ter meus óculos de volta?!’
Cesare segurou sua mão antes que ela levasse os dedos que se aproximavam dos olhos sensíveis. Estavam um pouco inchados — talvez por lágrimas traiçoeiras que escaparam antes.
Eileen caminhou em silêncio atrás de Cesare, com os olhos fixos no chão, até chegarem à porta de entrada.
— Senhorita Eileen.
A voz de Sonio a fez parar antes de entrarem na carruagem. Ela olhou para ele, um lampejo de receio surgindo em seu rosto. Felizmente, Sonio manteve a expressão amigável de sempre.
‘Bem, Sonio cuida de mim desde criança.’
Sonio a conhecia desde pequena, quando ela perambulava pelos terrenos desconhecidos do castelo. Ele já a vira muitas vezes, então seu rosto exposto não deveria ser estranho para ele.
— A senhorita não tocou no bolo. Vou preparar um pouco para mais tarde.
— Não precisa—
— Isso não pode ser. Quer deixar este velho preocupado a noite toda?
No final, Eileen cedeu.
— Venha mais vezes, senhorita Eileen.
— Não se preocupe, Sonio. Você a verá com mais frequência.
Cesare respondeu por Eileen, assentindo levemente.
— Tenho a sensação de que voltarei tarde.
— Sim, Vossa Graça. Prepararei tudo adequadamente.
Após se despedir de Sonio, Eileen e Cesare entraram na carruagem. O veículo seguiu rápido em direção aos arredores da capital.
A rua onde chegaram era a mesma onde Eileen estivera ao procurar o pai. Não tinha nome oficial, mas os moradores a chamavam de Rua Fiore.
A Rua Fiore era repleta de estabelecimentos noturnos — bares, cassinos e prostituição. Havia também contrabandistas e mercadores de itens ilegais. Diziam até que havia uma loja que aceitava encomendas de assassinato ou intermediava informações sigilosas.
Claro, era tudo especulação. Inocente até que se prove o contrário.
‘Não acredito que já vim aqui duas vezes!’
Aquele lugar não era para alguém como ela. Antes, a ideia de entrar ali parecia um absurdo. Eileen engoliu em seco e se agarrou a Cesare.
Ao descerem no início da rua, Cesare segurou o braço de Eileen, como um cavalheiro faz com sua dama. Caminhavam em sincronia, sem que ele ligasse aos chamados ao redor.
Ele parecia tão orgulhoso naquele momento, Eileen notou. Sentindo seu olhar, Cesare perguntou:
— Algo errado?
— Fico pensando no que aconteceria se alguém o reconhecesse.
Devido à popularidade do Grão-Duque, havia uma moda entre os homens de tingir o cabelo de preto. Mesmo na Rua Fiore, havia vários com tons diversos de preto no cabelo.
Nenhum, é claro, se comparava a Sua Graça. Ele se destacava com seus cabelos negros como a noite, brilhantes e impossíveis de se imitar.
— Eu não me importaria. Afinal, pensariam que vim aqui para beber com minha noiva.
Além do risco à sua reputação, havia outra coisa que incomodava Eileen. Ela não queria alimentar os rumores sobre ele. E, pior ainda, sentia mais olhares sobre si hoje. Seria por estar ao lado de alguém como Cesare?
Ela levou a mão ao rosto, como para ajustar os óculos que não estava usando. Sem alternativa, manteve a cabeça baixa, sem quebrar o ritmo de passos com Cesare.
Na porta da taverna, dois seguranças robustos e mal-encarados os receberam. Fumavam e conversavam, mas apagaram os cigarros e se endireitaram ao ver Cesare. Ele jogou uma moeda de prata para cada um antes de entrar.
— Opa, valeu.
Eileen se assustou tanto que agarrou o braço de Cesare. Já ouvira falar das tavernas famosas dali, mas o tamanho daquele lugar superava sua imaginação.
O interior era todo em veludo vermelho, e sob os candelabros, entre cortinas luxuosas, havia um grande salão de dança.
‘Que taverna?! Isso é um…’
Havia dançarinas em trajes que pareciam mais de um cabaré. Usavam vestidos de seda vermelha, cetim e renda preta, com penas vermelhas no cabelo.
O rosto de Eileen queimou ao ver seios expostos. As pernas também estavam à mostra até as coxas. As saias se agitavam como borboletas, revelando as meias por baixo. Enquanto todos pareciam se divertir, Eileen sentia-se deslocada.
A música mudou quando a dança terminou. Confetes coloridos caíram do teto, e o clima se transformou. Uma dançarina surgiu no palco, como se invocada pelo brilho dos papéis. Seu traje de lantejoulas a distinguia das outras, brilhando como joia sob a luz.
Deve ser muito famosa. Assim que apareceu, o público vibrou e gritou seu nome.
— Marlena!
Marlena girou no ar em seu balanço, enviando beijos aos espectadores. Era cativante em sua dança aérea, a barra da saia rodopiando como um convite e um escudo ao mesmo tempo.
A música de entrada terminou, ela estava prestes a descer quando seus olhos encontraram os de Eileen.
— !
O mundo era pequeno demais, e o reconhecimento mútuo as chocou.
Marlena era uma cliente de Eileen. Apresentava-se como Lena e comprava pílulas anticoncepcionais com frequência. Era uma das poucas que já vira o rosto exposto de Eileen.
Marlena a encarou surpresa. Seus olhos se arregalaram ainda mais ao ver Cesare.
Imediatamente, a expressão de Marlena mudou, e ela começou a cantar. Sua voz deixou dançarinas e músicos surpresos. Aquela não era uma canção ensaiada.
Ainda assim, os profissionais ali eram talentosos. Um a um, acompanharam Marlena, harmonizaram com ela. A mulher sacudiu seus belos cabelos dourados e virou-se diretamente para Eileen, como se dedicando à música a ela.
🎶🎶Homens, homens, homens ordinários,
Louca é a mulher que neles confia.
Mentiras vis, em doce disfarce,
Canalhas vaidosos, cheios de malícia.🎶🎶
(Elisa: Até parece que meu maridinho é assim. 🤨🤨)
Continua…
Tradução: Elisa Erzet